segunda-feira, outubro 16, 2006

Letreiratura: Fornada de 15 de Outubro

O último episódio do Galeria trouxe às exposições livrescas um escritor sueco, LARS GUSTAFSSON, com a sua excelente tela A Morte de um Apicultor exposta pela primeira vez em 1978.

A passagem abaixo é claramente a que mais me agrada e entrega-nos o motor de tudo o que vem à frente. Apesar do muito que a minha queda para os contos de fada me permite discordar, não posso negar o fascínio que o modo de vida do senhor que se vê às portas da morte exerce. E é sempre bom ler, aprende-se bastante e serve a todos. Afinal, só se morre uma vez...


«Foram precisas muitas consultas médicas antes de eles começarem a encarar a possibilidade de ser um cancro. E depois nova série de consultas, muitos dias passados em salas de espera, com aquele proletariado da dor, antes de chegarem à conclusão de que queriam fazer uma data de biópsias e análises ao sangue e TACs com contraste. E depois muito tempo até os exames estarem feitos. Passou Novembro, passou Dezembro.
Depois nunca mais disseram nada, até ontem, último dia de Fevereiro.
Quando a carta chegou finalmente, não a abri logo. Preferi dar um longo passeio com o cão e reflectir. A paisagem estava igual a si própria, muito cinzenta, árvores despidas, com uns patéticos ramos cor de chumbo. Uma espessa camada de gelo, com neve húmida sobre o lago - finalmente, em Fevereiro.
Fiquei muito tempo sentado a olhar para a carta, apalpei-a, tomando-lhe a medida e o peso, até que começou a fazer muito frio na cozinha, com a salamandra quase apagada, por falta de lenha. Quando no fim olhei em volta, já estava a escurecer. A tarde já ia muito adiantada, uma daquelas tardes típicas de Fevereiro, em que às quatro horas já escureceu.
Por fim lá saí para ir buscar lenha e pus a salamandra a funcionar.
Usei a carta para acender o lume.»

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