terça-feira, fevereiro 27, 2007

Letreiratura: Fornada de 25 de Fevereiro

«Acredito... também tive escrúpulos, mas agora já não tenho»

BOLL, Heinrich, O Anjo Mudo, Bibliotex Editor, 2003, p.115

Foi à Alemanha que fomos buscar O Anjo Mudo, do nobel Heinrich Boll, vivo entre 1917 e 1975. Este romance, porém, só passou pelo artefacto de Guttenberg em 1992.

Heinrich Boll tem uma grande queda para abordar com ligeireza as misérias humanas, fazendo-nos pensar sobre elas de uma forma não-pessimista, resignada, mas não conformada. quase da mesma forma que um avô aceita as travessuras dos netos e se ri com elas, sabendo que são travessuras.
Um dos post-it com que o fui marcando chamava a atenção para a seguinte passagem, que muito nos diz sobre o conceito de trabalho.

««Sim, sim», disse o capelão voltando-se de modo a que se pudessem olhar de frente, «o carvão é tão caro...»
«Trarei um pouco para o senhor capelão...»
«Ah, quer dizer...»
«Nao tem de pagar nada, não me custa nada...»
«Consegue-o através do seu trabalho.»
Hans riu-se. Riu alto, e pareceu-lhe que era a primeira vez desde há muito tempo que ria com alma e intensamente; riu-se tanto que se engasgou e teve um ataque de tosse. Mas, mal encontrou o olhar cândido e sorridente do capelão, teve um outro ataque de riso.
«Desculpe-me», disse ele... «mas trabalho, trabalho tem piada.»
«Porquê?», o capelão parecia realmente irritado. «Seria possível.»
«Pois», disse Hans, e sentiu uma tristeza repentina apoderar-se dele e sentiu a falta de Regina; de estar ao seu lado e de ouvir a sua voz. «Sim», disse, «é através do meu trabalho, eu roubo o carvão, vivo disso...»
«Ah», disse o capelão e deu uma risadinha, é muito cansativo, não?»
«Não tanto, é bastante simples. Só é preciso manter os limites. Quando s leva trinta briquetes no bolso ninguém nos diz nada; eu tiro por dia trinta vezes trinta, é uma vida bastante regrada e metódica. Tenho os meus utensílios como um empregado dos caminhos-de-ferro, mala lanterna e também um horário. Exerço as minhas funções com a regularidade de um funcionário público. A minha humildade aparentemente inspira respeito aos guardas. Hei-de trazer-lhe os briquetes...»»

BOLL, Heinrich, O Anjo Mudo, Bibliotex Editor, 2003, pp.132-133

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