A Chave

De uma casa nova à minha casa foram quatro anos.
A ideia era que a nova chave, de metal, com dentes precisos e únicos me devolvesse aquilo que eu deixara ficar na casa que foi nossa e passou a só minha. Se fosse eu uma cobra poderia afirmar sem aspas que tinha lá deixado a pele. Antes fosse eu a cobra. Deixei a alma usada, rompida, formatada ao meu corpo.
Não entendemos, mas uma casa nova vem com a oferta de uma alma nova, na maioria das vezes. É uma atenção do vendedor, talvez. Assim, ao recebermos a gazua do nosso novo palácio vive-se uma nova dimensão, obtém-se um novo impulso e ganha-se fé no futuro. E ainda me dizem que é só uma casa nova! Até será, até ao ponto de se tornar a minha casa nova preparada para me observar durante os próximos quatro anos, até ela se fundir comigo, até as suas contas serem minhas, até o seu cheiro ser o meu. Quatro anos de promessas feitas de sorrisos e sóis e mantas e jantares e sonhos de almofada de plumas. São os quatro anos que deposito na formatação da nova alma que irei receber junto com a chave, nova, a estrear.
Sim, peixe, tu vais comigo.