Esta semana, o Galeria acolheu um reincidente, na ala da Letreiratura.
Já me tinha curvado à excelência das frases aparentemente banais que deixou em Cala a minha boca com a tua, mas o génio insiste e desta vez mandou para a minha inquietação crónica Asfixia, editado em 2006. Pedro Paixão é daquelas pessoas que diz tudo em textos sobre coisa nenhuma. Asfixia é, tal como o anteriormente referido, uma colecção de textos, mas não só contos. São imensos textos, desde recados poéticos a contos com princípio, meio e fim (se é que há texto literário com fim). Um excelente livro de cabeceira para degustar, a propósito até, já que o livro, estreito e alto, faz lembrar uma ementa.
Bom apetite.
Bom apetite.
«Quando apareceram os telemóveis fui logo apanhado e tornei-me um viciado. Cheguei a ter três: um para assuntos profissionais, outro para assuntos privados e um terceiro para ligações internacionais - tinha na altura uma suave noiva em Palermo. Parecia um pistoleiro e aconteceu-me várias vezes falar por dois ao mesmo tempo, ou não saber com quem falava e continuar a falar, ou confundir sem perdão a voz da minha amada. Aguentei alguns anos, sete precisamente. Acordava e já tinha uma dúzia de mensagens que exigiam resposta. Passava o dia literalmente ao telefone e, enfim, precisava de trabalhar. Numa certa manhã de Agosto acordei agastado. Ouvi as mensagens - quatro da Sicilia criticando o meu silêncio - e afundei-os um a um, com um prazer sádico, na banheira repleta de água. Assim se dissolveram as suas memórias e todas as mensagens. Desejava saber quem de facto era meu amigo não portátil. Recuperei alguns pelo preço de perder a distante namorada. Os protestos não me abalaram. Um homem sem telemóvel é um ser mais tranquilo desligado da corrente.»
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